Sancionada no fim de outubro, a lei 14.711/23, chamada de Marco Legal das Garantias, tem sido muito comentada em razão de alterações promovidas acerca de hipoteca e alienação fiduciária. Mas as mudanças não param por aí.
A fim de esclarecer pontos de alteração, o advogado André Abelha, especialista em Direito Imobiliário e presidente do Ibradim – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, traçou um panorama geral das novidades, e como elas foram implementadas na legislação.
Alguns dos temas alterados foram destacados pelo causídico:
Alienação fiduciária de imóvel
Foram promovidas alterações às leis 13.476/17, 6.015/73 e 9.514/97 .
Na lei 13.476/17, foram inseridos os arts. 9º-A a 9º-D, que regulam a AF recarregável.
Na lei 6.015/73, nova alínea 37 no art. 167, II, para averbação da AF recarregável
Na lei 9.514/97 foram diversas alterações.
Agente de garantias
O novo Marco Legal insere o art. 853-A no CC. Pelo novo texto, qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia designado pelos credores. O agente atua em nome próprio e em benefício dos credores, com dever fiduciário, inclusive em procedimentos extrajudiciais e ações judiciais relacionadas ao crédito, e pode ser substituído a qualquer tempo pelo credor único ou pela maioria simples dos credores, em assembleia.
O produto da realização da garantia constitui patrimônio separado, e não responde pelas demais dívidas e obrigações do agente. E o agente pode, ainda, ser contratado em separado para: (i) pesquisa de ofertas de crédito mais vantajosas; (ii) auxílio nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e de garantias reais; (iii) intermediação na resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e (iv) outros serviços não vedados em lei.
Hipoteca
A lei promoveu alterações ao CC e regras estabelecidas na própria lei 14.711/23.
No CC: (i) foi inserido o §2º ao art. 1.477, para prever que o inadimplemento da obrigação garantida por hipoteca faculta ao credor declarar vencidas as demais obrigações de que for titular garantidas pelo mesmo imóvel; (ii) foi alterado o art. 1.478, para simplificar o procedimento de sub-rogação, que pode ocorrer a qualquer tempo e não mais depende de prévia oferta ao credor da primeira hipoteca; e (iii) foi inserido o art. 1.487-A, para prever a extensão da hipoteca à garantia de novas obrigações com o mesmo credor.
Na própria lei 14.711/23 (art. 9º), regulou-se a execução extrajudicial da hipoteca.
Negócios registráveis
Foi inserida nova alínea 48 no art. 167, I, da lei 6.015/73.
Com importante abertura no rol até então taxativo do art. 167, I, da LRP, agora é permitido o registro “de outros negócios jurídicos de transmissão do direito real de propriedade sobre imóveis ou de instituição de direitos reais sobre imóveis, ressalvadas as hipóteses de averbação previstas em lei e respeitada a forma exigida por lei para o negócio jurídico”.
Loteamentos
Foi inserido o §8º no art. 18 da lei 6.766/79.
Agora fica claro que o mesmo imóvel pode servir como garantia ao município na execução: (i) das obras de infraestrutura; e (ii) a créditos constituídos em favor de credor em operações de financiamento à produção.
Concurso de credores
Pelo art. 10 da lei 14.711/23, quando houver mais de um crédito garantido pelo mesmo imóvel (AF e/ou hipoteca), e iniciada uma excussão, o oficial do registro de imóveis intimará simultaneamente todos os credores concorrentes para se habilitarem, elaborando quadro com os créditos e graus de prioridade conforme a antiguidade de cada crédito.
Cartório de notas
Foi inserido o art. 7º-A na lei 8.935/94.
Os tabeliães agora também podem, “entre outras atividades”: (i) certificar o implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, exceto protesto de títulos; (ii) atuar como conciliador, mediador ou árbitro; e (iii) receber pagamentos e depósitos-caução.
O tabelião pode receber em pagamento ou consignação o preço de um negócio jurídico, repassando o montante ao beneficiário quando constatar a ocorrência ou a frustração das condições negociais aplicáveis. O valor constitui patrimônio separado, e não responde por dívidas do tabelião.
O tabelião pode lavrar ata notarial para constatar a verificação da ocorrência ou da frustração das condições negociais aplicáveis, certificar o repasse dos valores, bem como a eficácia ou a resolução do negócio celebrado, podendo a ata constituir título registrável (lei 6.015/73, art. 221), quando aplicável.
Letra financeira
De acordo com o novo §2º do art. 41 da lei 12.249/10, nas condições a serem estabelecidas pelo CMN, o prazo mínimo e as condições para resgate antecipado do título não se aplicam à letra financeira cujo pagamento esteja subordinado ao adimplemento dos pagamentos de direitos creditórios a ela associados.
Fundos de investimento
Foram promovidas alterações à lei 11.312/06:
– revogados os §§1º e 2º do art. 3º, que previam isenção do IR sobre tais rendimentos aos residentes ou domiciliados no exterior
– inserção do §4º, para estabelecer que a isenção se aplica: (i) ao cotista de Fundo de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e de Fundo de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I), ainda que residente ou domiciliado no exterior, exceto em caso de países com tributação favorecida; e (ii) aos fundos soberanos, ainda que residentes ou domiciliados em países com tributação favorecida, assim considerados os veículos de investimento no exterior cujo patrimônio seja composto de recursos provenientes exclusivamente da poupança soberana do país.
– ainda que residente no Brasil, a isenção somente se aplica aos FIPs qualificados como entidade de investimento, de acordo com as normas do Conselho Monetário Nacional.
Debêntures
Com alterações à lei 6.404/76, as debêntures de emissão anterior têm prioridade sobre as debêntures com garantia flutuante de nova emissão.
Abelha destaca que a novidade é que a prioridade, que antes se estabelecia pela data da inscrição da escritura de emissão, e agora é estabelecida pela data do arquivamento do ato societário que deliberou sobre a emissão. Dentro da mesma emissão, as séries concorrem em igualdade (art. 58, §3º).
Além disso, a deliberação assemblear sobre emissão de debêntures deve também fixar “o desmembramento, do seu valor nominal, dos juros e dos demais direitos conferidos aos titulares” , de acordo com o fixado pela CVM (art. 59, IX e §5º). Nessa hipótese, o cômputo dos votos ocorrerá pelo direito econômico proporcional possuído por titular (art. 71, §7º).
O órgão competente da companhia (e não mais somente a assembleia geral) poderá deliberar que a emissão terá valor e número de série indeterminados, dentro dos limites fixados (art. 59, §3º), sendo que o arquivamento deverá ocorrer na forma prevista nos novos §5º (regulação da CVM para companhias abertas) e §6º (regulação do Executivo Federal para companhias fechadas) do art. 62, dispensada a inscrição da escritura (revogação do art. 62, II).
A escritura de emissão deve estabelecer a maioria necessária, não inferior à metade das debêntures em circulação, para aprovar modificação nas condições das debêntures (art. 71, §5º). A novidade é que a CVM pode autorizar a redução desse quórum em terceira convocação, na hipótese de debêntures de companhia aberta, quando a propriedade das debêntures estiver dispersa no mercado (quando nenhum debenturista detiver, direta ou indiretamente, mais de metade das debêntures), devendo a autorização ser mencionada nos avisos de convocação (art. 71, §§8º a 10).
Quanto à emissão de debêntures no estrangeiro, antes requeria a inscrição no registro de imóveis e legalização pelo consulado brasileiro no exterior, com tradução juramentada. Agora, basta a divulgação no website da companhia dos documentos exigidos pelas leis do país que as houver emitido, com tradução simples (art. 73, §3º).
Protesto de títulos
Com alterações à lei 9.492/97, credor e devedor podem, antes e após o protesto, por meio da central nacional de serviços eletrônicos compartilhados, propor medidas de incentivo à renegociação da dívida.
Extratos eletrônicos de bens móveis
Foi alterado o art. 8º-A da lei 14.382/22. São agora legitimados a apresentar extratos eletrônicos relativos a bens móveis: (i) os tabeliães de notas; (ii) as pessoas físicas ou jurídicas, nos negócios em que forem parte, que tenham contratado na qualidade de credor com garantia real, de cessionário de crédito e de arrendador mercantil; e (iii) as pessoas autorizadas pelo CNJ, em relação a outras espécies de bens móveis ou negócios jurídicos não previstas neste artigo.
A legitimação não se aplica ao registro e à constituição de ônus e de gravames previstos em legislação específica.
Precatórios e créditos judiciais
Com a inserção do art. 6º-A na lei 8.935/94, a pedido dos interessados, os tabeliães de notas comunicarão ao juízo a existência de negociação em curso entre terceiro e o credor do precatório ou crédito reconhecido em juízo, sendo ineficazes as cessões realizadas para pessoas não identificadas na comunicação notarial se, dentro do prazo de 15 dias corridos, contado do recebimento desta pelo juízo, for lavrada a escritura pública de cessão de crédito.
O tabelião deverá comunicar a cessão ao juízo em até 3 dias úteis contados da data da escritura.
Alienação fiduciária de bem móvel
Promovidas alterações ao decreto-lei 911/69, foram inseridos os arts. 8º-B a 8º-E, para melhor regular a excussão da garantia.
Seguros
Promovidas alterações ao CPC e ao decreto-lei 73/66.
Inserção do inciso XI-A no art. 784 do CPC, para caracterizar como título executivo extrajudicial o contrato de contragarantia ou qualquer outro instrumento que materialize o direito de ressarcimento da seguradora contra tomadores de seguro-garantia e seus garantidores.
Com a revogação do inciso VI do art. 33 do decreto-Lei 73/66, a CVM deixa de ter representante no CNSP (Conselho Nacional de Seguros Privados).
Educação básica
Alterações à lei 14.113/20.
A vedação à transferência de recursos para outras contas do Fundo não se aplica aos casos em que o executivo contrate instituição financeira que não seja a Caixa ou o Banco do Brasil, com o fim de viabilizar o pagamento de salários, vencimentos e benefícios de qualquer natureza aos profissionais da educação em exercício.
Fonte: Migalhas
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Resolução do CNJ sobre famílias homoafetivas reforça garantia constitucional
A resolução do Conselho Nacional de Justiça que visa regulamentar a adoção, a guarda e tutela de crianças e adolescentes por casal ou família monoparental, homoafetiva ou transgênera é benéfica e reforça a defesa do mandamento constitucional da dignidade da pessoa humana. Essa é a opinião da maioria dos especialistas em Direito de Família consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
O texto aprovado pelo CNJ determina que os tribunais e à magistratura zelem pela igualdade de direitos no combate a qualquer forma de discriminação à orientação sexual e à identidade de gênero.
A resolução veta, por exemplo, que nos processos de habilitação de pretendentes e nos casos de adoção de crianças e adolescentes, guarda e tutela, manifestações contrárias aos pedidos pelo fundamento de se tratar de família monoparental, homoafetiva ou transgênera.
Luiz Kignel, sócio de PLKC advogados, afirma que a determinação do CNJ atendeu a uma necessidade, já que é consenso da jurisprudência pelo Supremo Tribunal Federal e da legislação que as famílias têm que ter o mesmo tratamento, sejam as famílias ditas tradicionais, mas também as famílias monoparentais ou com pai ou com mãe, da mesma forma as famílias homoafetivas ou transgêneras.
“É interessante porque esse debate não deveria existir, porque já é uma decisão do Supremo Tribunal Federal, já é uma questão dita superada, mas ela se torna necessária porque existe um aculturamento. Então você tem uma determinação, um mandamento constitucional da dignidade da pessoa humana, você tem uma determinação judicial da igualdade dos tipos de uniões, das diferentes variáveis de uniões familiares, mas é sempre necessário corroborar isso, por conta de uma formação também da base de quem decide, de quem aprecia, de quem analisa os casos de adoção”, pondera.
Já Karla de Camargo Fischer, sócia do escritório Camargo Fischer Advogados Associados, entende que os direitos dos casais homoafetivos já estavam garantidos pela Constituição Federal brasileira. “A nova resolução vem ao encontro do que já deveria estar sendo praticado pelo Poder Judiciário, no sentido de combater qualquer forma de discriminação pautada na orientação sexual e identidade de gênero.”
A resolução do CNJ também reforça um movimento da jurisprudência de reforçar o papel do Estado laico na garantia dos direitos dos brasileiros. Nesse sentido, o Judiciário tem passado a encarar o vínculo afetivo como elemento norteador da instituição familiar, sem a rigidez formalista de outros tempos, que era pautada por valores morais e não pelo texto constitucional.
“É disto que se trata esta nova orientação do CNJ que, na esteira da busca da igualdade material (em contraste com a meramente formal) entre as pessoas, suscita e provoca os agentes do Estado e os operadores do Direito à uma prática igualitária atenta e endereçada aos cidadãos jurisdicionados sexualmente orientados por seus desejos mais genuínos e que em um olhar interdisciplinar convocado pela psicanálise enquanto tradutora dos termos “funções maternas e funções paternas”, podem exercer seus direitos mais plenamente quando o assunto é a constituição de família (em seu sentido mais plural), nivelando assim por cima a sociedade contemporânea”, afirma Fábio Botelho Egas, sócio do Botelho Galvão Advogados. .
Para Ricardo Calderón, diretor nacional do IBDFAM, a resolução do CNJ vem em boa hora e deve ter um importante impacto no cenário da infância, em especial nos casos de adoção. “Esse ato normativo foi fruto de um processo interno do Conselho Nacional da Justiça, que ouviu diversos atores que militam na infância, bem como fez uma ampla pesquisa com o diagnóstico de como essa questão, efetivamente, merece ser tratada”, afirma.
Segundo especialistas, os entraves para adoção por famílias homoafetivas muitas vezes eram implícitos. “A partir desta constatação, ou foi bem o Conselho Nacional da Justiça aprovar esta resolução, de modo que podemos dizer que é um primeiro passo para a garantia desses direitos de casais homoafetivos e até mesmo das famílias homoparentais que querem adotar crianças e adolescentes”, explica.
Por fim, o advogado Felipe Martarelli acredita que a resolução do CNJ é benéfica, mas não é o suficiente. “O CNJ não é, em regra, fonte primária formal de Direito, a lei é; isso significa que, um direito tão importante e fundamental, como este, não está sendo respaldado pela lei, o que torna uma proteção frágil, em uma país positivista”, afirma.
Fonte: Conjur